Looking through a Glass Onion

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When I get to the bottom I go back to the top of the slide, where I stop, and I turn, and I go for a ride

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Cordas, amarras e escaras

Conviver com o enjôo, 24 horas por dia, acostumar-se às náuseas, perder a vontade de injerir qualquer coisa que te preencha o vazio do estômago, que forneça material pro corpo já exausto.

Acostumar-se ao barulho constante, e não só; habituar-se à vibração maior do que o normal do corpo, justamente por causa do som tão alto de caminhões, de televisões, de motos, buzinas, propaganda, medo, pressa, o cara tá pedindo dinheiro, o outro quer uma ajudinha pra essa associação que salva os drogados “desse inferno”.

E o meu inferno? Ninguém vai me ajudar com meu inferno construído de ponto em ponto, terminal bandeira, terminal dom pedro, terminal santo amaro, terminal.

Perdoar as cicatrizes, todas, tantas, muitas... porque você vai afogar sua crueldade, tem que ser piedoso, porque é assim, porque diz na bíblia, porque os astrólogos da revista disseram, porque todo mundo gosta de bonzinho, porque o RH da empresa aprova.
Mas ninguém te salva do teu inferno.

Esquecer-se das cores, existem tantas e me alegram infinitamente, mas esquecer-se delas, porque a sobriedade se impõe, você tem que se vestir de acordo com a sua idade e ficar de luto esperando a morte chegar com 50 anos porque bom mesmo é ser criança e a vida exige muito da gente, o trabalho estressa, tem que pagar as contas antes do dia de vencimento e pretinho básico vai com tudo.

Desejar se libertar (de quê?), reclamar do dia que tá nublado, porque tá sempre nublado e nessa merda de cidade agora só chove e tem enchente mas eu não ligo porque minha casa fica no alto e tem cerca elétrica, mas eu ligo porque fico no trânsito e eu só quero chegar em casa e ligar a tv, e a cidade continua aumentando a vibração do meu próprio corpo porque tem muito barulho, tem muita sujeira, tem poeira, e a poeira entra nos olhos; não sei se não vejo o por-do-sol por causa dela ou se é só por causa das nuvens mesmo, que insistem e não vão embora.



Há uma menina na rua. Segura o guarda-chuva ainda meio molhado, meio fechado, balançando-o numa cadência engraçada, acho que ela está dançando. Mexe a boca, talvez esteja cantando. Aquela garotinha de tantas cores na roupa e nos olhos cria a própria música do seu mundo, não se importa com a Paulista, com as buzinas de motoboy, com a ambulância que fica entalada no meio dos carros e entalado junto fica seu barulho ensurdecedor, com os olhares anônimos de pelos menos 20 estranhos, com a demora de mais de uma hora, o ônibus tá atrasadíssimo, meu deus, ela não se importa que seu pés estejam meio molhados ou que as pessoas estão com as mãos sujas, é tão engraçado... ela canta, e está feliz.

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