Looking through a Glass Onion

Minha foto
When I get to the bottom I go back to the top of the slide, where I stop, and I turn, and I go for a ride

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Nuaaaaaaa

Sabe essas noites
Que você sai caminhando sozinho
De madrugada, com a mão no bolso na rua
E você fica pensando naquela menina
Você fica torcendo e querendo
Que ela estivesse na sua
Aí finalmente você encontra o broto
Que felicidade, que felicidade,
Que felicidade, que felicidade,
Você convida ela pra sentar
-Muito obrigada!
-Garçom, uma cerveja?
-Só tem chope.
-Desce dois, desce mais.
-Amor, pede uma porção de batata-frita?
-Ok, você venceu. Batata-frita.
Aí, blablablá, blablablá, blablablá,
Tititi, tititi, tititi.
Você diz pra ela:
-Tá tudo muito bom.
-Bom
-Tá tudo muito bem.
-Bem
-Mas realmente, mas realmente,
Eu preferia que você estivesse nua.






Fala sério, Blitz é muito bom.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Fazenda Modelo - Chico Buarque

"[...]
Que mais? Sim, havia também os meninos que se mantinham aparentemente alheios ao movimento da Fazenda. Era o caso de Lin. Não que se manifestasse abertamente contra alguma coisa, isso não, até que acatava as instruções e comia na hora certa. Mas nas horas vagas Lin gostava dos seus cachos. Gostava de se cheirar as axilas, estalar as juntas, lavar as intimidades. Levava tempos compenetrado, examinando cada detalhe do próprio corpo, parafusando o umbigo, achando graça nas mamilas, estudando o urbanismo das veias. Percorrendo as veias atingiu o coração e começou a compreender as pulsações todas. As vibrações. Talvez, por algum motivo, desgostoso das coisas em volta, Lin foi ficando todo para dentro. E foi ficando para longe, como que num oriente, como num tempo remoto, como um avô sábio, ficou feito um bos índicus. Já controlava de tal modo o coração que este nunca iria parar. Circulava pelas próprias artérias e chegou a explorar os nervos que levam ao cérebro. Daí poderia arbitrar a intenção de cada glândula, cada célula. Respirava com consciência. Com o pensamento poderia suspender a digestão agora, por exemplo. Mas Lin não praticava seus conhecimentos. Apenas conhecia, e sempre mais. Com isso se sentia forte, livre, dono de si, talvez até feliz. Foi o que alertou a vigilância de Katazan. Sem se explicar por que, Katazan não gostava da postura de Lin. Não sabia por que, mas implicava com aquele jeito assim. Então fazia-o trabalhar, e trabalhar puxado, do que Lin não se queixava por dominar os músculos. Suspendeu-lhe a ração, do que o organismo de Lin também não se ressentiu, posto que àquela altura já estava educado para tudo. Sem que Juvenal soubesse, Katazan começou a maltratar Lin. E Lin suportava tudo com uma serenidade que mais e mais irritava Katazan. Porque Katazan já não fazia outra coisa senão perseguir Lin. E como Lin não dava mostras de se sentir perseguido, Katazan passou a se imaginar prisioneiro, em vez de vice-versa. Afinal Katazan era ou não era o superior? Dentro do sistema vigente, Katazan era autoridade. Mas parecia que Lin inventara outro sistema. Um sistema metabólico que cá para nós não valia nada, que só contava dentro da cabeça dele, que Katazan não compreendia e nem tinha nada que parar para pensar e se preocupar. Mas Katazan sabia que Lin inventara outro sistema. E naquele sistema idiota talvez Lin pensasse que era superior a Katazan. Talvez nem existisse Katazan naquele sistema absurdo. E Katazan não agüentava mais aquilo. E matou Lin.
[...]"

Túnel Insone

O túnel consiste numa noite frenética e um dia insone.


Relâmpagos eternos de epifania inerte iluminam cada centímetro de pedra pintada.
As idéias não calam -- não conseguem dormir.
As idéias não criam -- não sabem acordar.

Passe sem ver: tantas luzes expulsam o olhar para frente
Sinta sem ser: a piedade hipócristã alivia a alma do crente

Aceleram no túnel com tanto barulho e tanto amarelo
Os atores (com muito esmero) ensaiam sua peça dia e noite sem saber
que sua platéia é cega
surda
e muda.

Ensaiam seus próprios dramas sem saber que não há ficção
Há apenas o túnel que não dorme
e a luz que não desmaia.

sábado, 27 de outubro de 2007

Mergulho

Fronteira entre mundos
Se é chão, se é mar
céu claro ou luar
Não sabemos

A tinta se mistura
Cai em gotas pela estrada
na grama
na calçada

Nadando em vento em trago em vão
tento encontrar o limite
(se é que ele existe)
neste parto gelado que é a madrugada

Não vejo horizonte, divisão, linha
Meu quadro de sonhos me deixa livre para criar

E meu sonho é calmo e úmido
molhado de chuva cascata e pincel
E meu sonho é triste e distante
feito de pianos e pingentes de cristal


Todo Azul.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Surpresa terça à tarde

Acordou. Tomou banho, se vestiu. Pente, cadê o pente? Alinhou a camisa com o cinto e o cavalo da calça. Pegou os sapatos, nivelou as meias, subiu as escadas para o café. Ficou irritado ao ver a manteiga fora do lugar. "Essa mulher não aprende mesmo! Coisa irritante!"
Pegou a mala, bateu a porta. Tropeçou na calçada. "Minto, logo existo". A frase reboando em sua mente. Não sabia mesmo o que fazer, estava descontrolado. Logo ela? Aquela que representava toda honestidade que ele jamais ousara acreditar existir - ela - mentiu pra ele. Mentiu mesmo, e ainda teve a coragem de citar uma frase babaca daquelas. Imbecil.

Continuou andando - quase corria - sem nem olhar à sua volta, e muito menos pedir desculpas a quem com ele trombava. Cruzou a porta de entrada do prédio preto onde trabalhava, subiu as escadas aos saltos. Vadia. Vadia, vadia, vadia. Me fazendo de trouxa daquela maneira! Se pelo menos fosse sincera ele teria como se defender, bloquear todo sentimento ou saber que não tinha jeito mesmo.
Chegou ao escritório onde trabalhava. Saiu do escritório onde trabalhava. Desceu as escadas. Saiu pelas porta, andou pelas ruas.
Caminhava mais calmo agora. Tinha total controle de seus atos. Girou a chave, deslizou pela casa. Olhou pela janela, olhou a sala. Sentou-se.
Silêncio absoluto, ela ainda dormia.


Gritos desesperados de dor invadiam a rua.
O policial:
- O que aconteceu aqui? Quem esfaqueou essa mulher?
Os móveis todos calculadamente revirados.
- Eu cheguei aqui e encontrei minha mulher assim!!! O filho da puta estuprou e matou minha mulher! Eu juro que não fui eu! - e o choro saía compulsivo, cobrindo o rosto do homem curvado.

(uma semana depois)

- Meu senhor, é este o homem que matou sua esposa?
- É ele sim. Prendam-no.
Era cruel, ele sabia. Fazer um inocente responder pelos seus atos... Mas era preciso. "Antes ele do que eu."

Minto, logo existo.






*Proposta de redação dessa semana pra escola (uma dissertação ou narração sobre a mentira, comentando essa frase infeliz "minto, logo existo")
Saiu esse treco doentio.
Será que vou ganhar zero por usar palavrão? hahaha...

Sem Ar

O Vácuo se espalha
pelo corpo
Vácuo no peito, nos olhos, na boca
Vazio nas mãos

O Vácuo engole as entranhas
pra se alojar
O estômago vazio, coração frio
Geleiras de toda esperança

Barco de cristal fervendo
navegando
em plasma híbrido de saudade
e cinza(s)

Vem muita gente passando, olhando
imersos no excesso
Eu - ausência - funda em silêncio

Sem remédio.
Sem carta.
Sem sentido.


O Vácuo escolhe a cama, escolhe a calma
pra me dominar
A calma exclui o medo
esconde o apelo
Alma correndo pra te encontrar

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Reflexões...

Hoje não é dia de poesia.
É que eu tenho pensado, e sentido, e pensado mais ainda, e vejo que a arte é uma coisa inexplicável. Vejo que arte é algo que só o artista compreende em sua plenitude - é preciso executá-la para senti-la.
E por que precisamos dela? Por que - artistas do mundo - precisamos dessa coisa tão sutil e fugidia que é a arte, e todas as suas manifestações?

Penso nisso obsessivamente já faz mais de três meses, desde que me fizeram a perunta incômoda e surpreendente: "por que você escreve?"

É uma pergunta muito inteligente.
Por que ninguém a sabe responder. Comecei a perceber que arte não se resume a sentimentalismos, como alguns costumam acreditar; arte é sensação. E sentimentos são o quê, senão sensações? Arte é o inconsciente, é o amor, é a raiva, é a aflição, é tudo o que for sensação, é tudo o que vai acumulando nos cantos do cérebro, montando sua própria organização, uma lógica à parte e parcialmente incompreensível. Quando vem à tona, em forma de poema, desenho, dança, surge feita, pronta, de uma só vez.

Quem pensa que arte surge do nada, da inspiração, está enganado, a arte surge do exaustivo trabalho mental que a toda hora nos acomete, nas nossas impressões sobre o mundo.

E por que é tão necessária? Por que tão bela?

......
....

...........


Se eu soubesse...






Se alguém imaginasse como isso me inferniza!
Como eu queria explicar......

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Canção do Mundo

Vem
escuta o som do mundo
escuta a vida
que vibra e veste e voa e vai


apenas olha o teu teatro
assiste ao espetáculo
que desfila na tua alma

Anda, anda, não temos tempo
Anda, anda, a poesia não espera

Canta
que a tua voz contempla
intensa, entregue, toda garganta
como é bonito este momento

Crê
que é você quem cria a poesia
é você quem cria a poesia
nosso monumento.

Escuridão no Depósito

Sorriso na boca
Tem sangue na boca
Dentes escancarados, a língua roxa

Brilho nos olhos
Tem sangue nos olhos
Pupilas pretas e cílios batendo

O rosto se contorce e está só
Agonia e êxtase
Da saliva ao pó

Saliva
O berro ardente que corre vibra corre:
corredor escada e teto
No depósito do subsolo

A alma... levanta e sai
Olhos fechando
São apenas olhos.

sábado, 15 de setembro de 2007

Nós

O Nó te envolve o fio
vai e volta a volta
O Nó te envolve
corta a corda

Não!

O Nó vem e vai,
na volta cai
e solta

O Nó circula, ondula
torce passa, prende rola
Tu - sorriso na porta
dissolve salta entorta


e ficamos
Nós

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Muralha

Hoje é dia de morte. Dia de enterro. Dia de poeira e restos, concreto quebrado, dia de nuvem, de frio, pessoas escuras e cobertas, pé ante pé pra não cair.
Nenhuma sombra nem contraste, nenhum volume; iluminação sutil no bloco plano de cores duras.
Mas a paixão existe.
Existe?

É dia de corrente e prisão, ponto de ônibus lotado, tremor nas mãos
pressa, falta, ausência
remédio, lata, corte.


Há paixão, ainda.

Nas janelas verdes da varanda, o Sol atrás da água, andar distraído e cílios batendo, olhos que se encontram, crianças desajeitadas tentando sorrir.
Há paixão surgindo, batimentos cardíacos (me dói o peito), a alma se enchendo de uma perturbação irritante e comovente
amor em minhas entranhas.

Estranho calor.
Fluxo contínuo de fantasia:
Me protege das garras
do aço
do vento
do ódio
vazio.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Pânico

Oh! Que barulho terrível! Piiiiiiiiiii...
Meus ouvidos vibrando como um sino, sem parar, sem parar. Os outros conversam ao meu lado. Não consigo ouvir. Não consigo nem mesmo entender, ler os lábios dos seres à minha volta, seres irreconhecíveis! Conversam animadamente e perguntam minha opinião.
-É.. Acho que sim.

Longe, muito longe, uma gota pingando no meu cérebro.
O sino continua vibrando no ouvido. A gota, o sino, os sons, tontura. Tudo vai girando e se misturando à minha frente, incontrolavelmente. Saio andando sem destino. Cruzo a avenida. Desço as escadas do metrô, pulo a catraca, ninguém viu. Que sentido? Vila Madalena, pode ser. O metrô em movimento, as pessoas me incomodam. Por que são tão silenciosas? Olham para fora para não cruzarem olhares, mal escondendo sua hipocrisia, já que fora do vagão há apenas a parede de concreto manchada que se move.
Este borrão me toma a atenção. Sinto-me no intestino da cidade. A sujeira, os restos, os rostos que passam terríveis pelas suas entranhas todos os dias. Somos o alimento e o excremento dos prédios delirantes.
Sumaré. Gosto daqui. Nunca parei nesta estação, nunca foi o meu destino, mas hoje eu não tenho destino.
Parei.
Os carros passando lá fora me fazem sentir uma comoção estrannha. O ruído nos ouvidos evolui para uma bateria atordoante e ritmada, me deixa aflita. Quero sair da minha cabeça a qualquer custo, que coisa horrível! O Sol entrando nas minhas pupilas e invadindo toda minha sanidade, preciso berrar, berrei.
Policial me carregando.
Havia desmaiado.

Me afasto dos braços do policial, estou melhor, não há com o que se preocupar. Não quero que ele perceba que estou enlouquecendo e definhando, não quero que ele veja a origem de todo meu torpor.
Estou sendo engolido, eu juro... Ninguém para me salvar. A sensação de impotência me tomando por inteiro faz meu coração pular. "Preciso fazer alguma coisa!!"

Pulei.

Acordo numa sala branca. Sala não, mais um clarão no vácuo que qualquer outra coisa.

Pi... pi... pi...

O som na minha cabeça já não é contínuo, tem o ritmo dos meus batimentos cardíacos.
Espere. São os meus batimentos.
Estou vivo e algemado com agulhas.
Vivo e não posso me libertar.
Vivo... E só.





- Boa noite.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

domingo, 15 de julho de 2007

Copo Vazio

Composição de Gilberto Gil



É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio,
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar.

É sempre bom lembrar,
Guardar de cor que o ar vazio
De um rosto sombrio está cheio de dor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho,
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor.
Que a dor ocupa metade da verdade,
A verdadeira natureza interior.

Uma metade cheia, uma metade vazia.
Uma metade tristeza, uma metade alegria.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor.

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Amor Armado

Para amar, o Amor Armado não se entrega nem conquista – amantes como comparsas, beijos como atentados. Amor Armado não é armistício na guerra dos sexos; Mais que isso: o Amor Armado não se amarra a gêneros. Amor Armado foge das amenidades – tais armadilhas da aristocracia que amansam a paixão pelo que não cabe nas veias. Amor Armado é cor liberta do sangue e o sangue liberto da dor. Amor Armado é a insurgência sem rancor.

O Amor Armado não sai do armário por nunca ter se escondido lá. O Amor Armado não teme ser vermelho, mas prefere sensuais sombras acolhedoras. O Amor Armado não é mártir de qualquer marcha revolucionária – é seu esquecido maestro malicioso. O Amor Armado amanhece em mansidão inquieta, mantém sua sede insaciável, manejando artísticamente seu ardor amável – um amálgama de Ares e Afrodite.

Amor Armado nos desamarra das certezas na marra. Só o Amor Armado nos amamenta de ardor.




este texto não é meu.
textos do incrível e insano 'dan.' são encontrados em: http://pornographics.vox.com

sábado, 30 de junho de 2007

Reconciliação

A cidade amanheceu branca. E continuou branca, imensamente branca, assustadoramente branca. Aquela monumentalidade leitosa que se erguia à minha frente torcia-se em volta dela mesma, concreto em cima, concreto embaixo, ocupando até o céu. Os prédios todos pareciam voar. A cidade flutuava.
Minha porção selvagem não podia entender aquelas linhas todas, muitas linhas, muitas. Poucas cores. Era tudo branco, era tudo cinza, de vez em quando vermelho.

Estaquei em cima da passarela de nuvens, observando tudo ao meu redor.
Que cidade linda.
Linda!

E fiz as pazes com meu paraíso geométrico.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Lápide Urbana II

Na passagem estreita e colorida, vi brilhando água corrente, uma mulher não tão colorida derramava o líquido no chão para lavar alguma coisa. Aquelas vidas pouco notadas, cinzentas, enchiam-se de cor ao Sol limpo e claro do meio-dia.
Me enchi de afetos por aqueles rostos marcados das cicatrizes que o desprezo e a indiferença causaram. Me enchi de simpatia pelo sorriso branco e espontâneo que brotava do menino solto a gingar e andar naquele cantinho: ali era seu mundo.
Ao tentar me aproximar, bati numa parede invisível. Uma divisória fria e dura que a cidade impôs. As pessoas continuaram andando, correndo em suas rotinas ridículas, mas não vi ninguém tentar cruzar a linha - ninguém! Só eu, tola, me iludia pensando que um olhar, um gesto, poderiam desfazer aquela muralha medonha à minha frente.
Em vão acenava para os "do cantinho". Um velho chegou-se até a fronteira, sem tentar cruzá-la, cantando.
"Ouça-me bem, amor, preste atenção, o mundo é um moinho..."
Eu tentava chamá-lo para o meu lado.
"...vai triturar teus sonhos tão mesquinhos..."
Outro se aproximou.
"...vai reduzir as ilusões a pó..."
Parei de chamá-los freneticamente. Percebi que eles haviam aprendido, depois de muito insistir, de muito se frustrar, que aquela divisória (apesar de invisível) era mais sólida que pedra. O velho olhava meus olhos, e eu os dele.
"De cada amor tu herdarás só o cinismo..."
Mas que olhos tristes! A boca sorria ao cantar, seus gestos eram largos e leves, mas que olhos fundos...
O outro estacou, de repente. Sem olhar diretamente os meus olhos, disse triste e secamente:
- A gente tá do outro lado...
E virou-se sorrindo fraco para os outros, continuou o que estava fazendo. Mas eu vi, eu vi! o que ninguém mais viu: todos eles eram lindos, eram lindos, e aquela voz que cantava foi a mais sincera que já ouvi.
Despedi-me deles com um aceno e o menino que gingava soltou aquele mesmo sorriso branco; ainda assim vi uma lágrima tão sincera e terrível quanto a muralha que nos segregava.




*a música citada é "O mundo é um moinho - Cartola"

Borra, Pinta (paródia de Roda Viva - Chico Buarque)

Tem dias que Azeite se sente
Como quem toicinho comeu
Azeite peidou de repente
Ou foi o Tietê que fedeu?

Azeite quer ter lactopurga
Mas infelizmente não dá
Ele não dissolve na água
Porque o Azeite é apolar

Borra tudo, chili picante
Também peixinho, atum, pirão
A merda borrou num instante
Teve que usar papelão

quarta-feira, 27 de junho de 2007

FLAP!

por Ana Rüsche

"Precisar o que seja a FLAP! é tarefa que não pretendemos cumprir – exatamente para isso temos o concurso sobre o que significa a sigla F.L.A.P., hehe. Entretanto, é muito interessante ver como na internet espalha-se a notícia, basta digitar “FLAP 2007” no google.

Há desde os amigos apoiadores como o Germina Literatura, o Cronópios e a Selva e os amigos discretos como a poeta Ana Ramiro.

Já o Ademir Assunção rasga: “É a turma do Projeto Identidade e do Jornal Casulo agitando o pedaço e abrindo espaço. Ferro na boneca, cambada, como diriam os antigos romanos”.

Ou então o adorável Tadeu Sarmento com suas reflexões: “Eventos literários são de um constrangimento maravilhoso, pois é constrangedor assistir a um escritor ou a um poeta falando em público. Estou com Evandro Affonso Ferreira quando este diz que é um passarinho, não um ornitólogo, e que por isso não é capaz de teorizar sobre sua obra. Como dizer aquilo que se escreveu, com outras palavras além das já escritas na página? De qualquer forma, não perderei a http://flap2007.zip.net/ deste ano, que dentre outras maravilhas, desentocará o genial Juliano Garcia Pessanha, direto das intocáveis esferas da coruja de Minerva. Sim, é imperdível. Constrangedor, mas imperdível”.

Ainda na versão do Ivan Hegenberg: “Eu estarei lá, sábado e domingo na Praça Roosevelt, com uma bancadinha de camelô vendendo Será aos desavisados".

Por fim, há as primeiras coberturas desse ano, como a matéria do O Tempo e a chamadinha no Portal Literal: “A minoria apaixonada por literatura não faz feio e comparece em peso aos eventos, fazendo com que cresçam a cada ano. Chegando à terceira edição, a Flap!, que acontece entre 29 de junho e 1º de julho em São Paulo, firma-se nesse cenário festeiro com uma programação que se orgulha de "encarar sem reverencialismo a obra literária e seu processo de criação, evitando que a reunião dos membros das mesas se transforme em motivo de espetáculo por receber 'celebridades culturais'. Como diria Paulo Francis, WAAL”.



Ao menos todos acertam, pois FLAP é lá o que vc quiser."


http://docs.google.com/View?docid=ddbwjx84_52fwkcv8

terça-feira, 19 de junho de 2007

Meu Querido MP3

Eu me sentia extremamente ansioso àquele dia. Já com o dinheiro na mão, na frente da loja, meu coração batia forte: ia comprar um MP3 Player. Mas que mundo de possibilidades abria-se aos meus olhos! A coreana da loja esperava minha decisão; às vezes tinha a impressão de que ela gostaria de me ver morto, tal era a expressão de felicidade em seu rosto.
- O que esse daqui faz?
- Dois giga.
- Eu sei, tá escrito, mas o que ele tem de diferente dos outros?
- Dois giga, cento e cinqüenta. Acende luz.
A informação não foi de todo esclarecedora, mas minha alegria permanecia inabalável. Escolhi o mais colorido e saí correndo feito um louco pela rua. Quase derrubei duas velhinhas que atravessavam na faixa de pedestres, quase caí num bueiro, mas, por fim, venci todos os obstáculos. Mal podia esperar para chegar em casa e passar minhas músicas para o aparelhinho mágico.
É claro que, logo em seguida, saí pelas ruas só para sentir o prazer de viver com trilha sonora. Sentia-me num filme dos anos 80, todos estavam diferentes ao som de uma música agitada cheia de teclados. Passei por cima de uma saída de ar do metrô e o vento agitou meus cabelos, parecia o Ricky Martin.
Oh! Aquilo era lindo! Desatei a cantar alto peas ruas, ignorando os olhares que eram lançados na minha direção a todo momento. Dançava, pulava. Sentia-me num clip do Michael Jackson. Arrisco-me até a dizer que dancei bem parecido!
Chegado um momento, sentia-me poderoso o suficiente para atravessar a rua dançando um moonwalk sambado. Não me pergunte que raio de dança era aquela, foi o mais perto de uma descrição que consegui chegar. Fui atravessando, olhando pro céu, olhando pro chão, as mãos balançando freneticamente, admirando o movimento rítmico de meus pés. No clímax de "I Will Survive" dei uma pirueta impecável.
Não ouvi a buzina do carro, nem o barulho dos pneus derrapando: a música nos fones estava alta.
PÁF!
"I will survive..."





Tem mais não.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Rivaldo e Jenina


Antes de ler a historinha em quadrinhos tem que assistir o vídeo do Prabhu Deva, senão não dá pra entender
Aproveito para dar os devidos créditos à garotinha criativa que senta todos os dia do meu lado na classe, sempre me ajudando a fazer as coisas mais imbecis possíveis. Sim, é a Mari: sem sua colaboração, esse majestoso trabalho artístico seria impossível HAHAHAH
Apreciem com moderação

Asas de Névoa

O vidro embaçado a impedia de exergar lá fora. E, se enxergava, era a neblina que a impedia de enxergar além. A névoa sorrateira enganava e escondia tudo em volta, transoformando aquele momento em branco e cinza e só.
Ninguém para levantar e ir apagar a chama de fogão, mas não havia problema, ela gostava de observar o fogo; aquele azul brilhante enchia seus olhos de calor.
Sentia aquele momento vazio, sem emoções nem acontecimentos.
Só ser.
Ser só.
E era bom.
Cruzou os braços, ouvindo os sons de dentro do apartamento. Quase nada. Um estalo aqui, outro ali: era a madeira adaptando-se à mudança de temperatura. O Sol se ia levantando e com ele, a neblina. O contorno de prédios tornava-se pouco a pouco nítido; antes como um borrão difuso no horizonte que como recortes recentes numa folha de jornal.
Seus sentidos estavam dormentes, mas ela sabia que nunca tivera tamanha consciência de si como naquele momento frio.
E era bom.
O piscar de olhos foi-se rarefazendo; sua respiração rasa e lenta. Já não era preciso ajeitar-se na cadeira, sua alma estava confortável e invadia aquele instante.
A carne tornara-se agora desnecessária. Lentamente viu-se separando de sua mente. Com um último esforço, descobriu-se livre.
Livre.
.
.
.
.
.
.
.
E voou.

domingo, 10 de junho de 2007

Corredor

O teto do mundo era o teto da casa era o teto da moça era o teto do mar era o teto do chão era o céu da boca era o amor da garota era o bafo do forno era o ódio nos olhos era a gota de horror.
O fluxo da boca o instante as palavras de dor a loucura massante nas pupilas -- a cor.

O sentimento pulsante
A queda
O humor
A miséria
O errante
O infeliz
.
.
O Pavor.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Comentário do Elias

Eu tava relendo todos meus textos aqui, ficando louca ao ver coisas antigas que hoje acho uma bosta, até que eu me deparo com esse comentário do doente do Elias ahahhahaha

Simplesmente demais.

"elias said...
Historinha budista que minha mãe me contou:
Certa vez, havia um Cavalo, deprimido e triste, e seu dono não via outra saída a não ser sacrifica-lo se ele continuasse a ficar deitado e sem vontade de viver. Até que o Porco, seu amigo, ia todo dia animar o cavalo, dizendo que ele seria morto se continuasse daquele jeito.Insistia, mas o Cavalo ali, em depressão, sem vontade de se levantar.
Faltavam poucos dias para que o fazendeiro, praticamente sem esperanças de ver seu cavalo de pé novamente, sacrificasse o cavalo. Enfim, depois de muita luta, o Porco consiguiu animar o Cavalo, que então se levanta.
O fazendeiro, feliz, por ver seu Cavalo em pé de novo comemora:
- Vivaa, meu cavalo esta bem de novo! Vamos assar o porco e dar uma festa!
**********
Moral: Sinceramente, ainda não descobri."

domingo, 27 de maio de 2007

Lápide Urbana

Avenida e carros, túnel colorido de grafitti - tanta cor, tanta cor! Repentinamente, sombra. Não a sombra que projeta a luz e embeleza a cena - não! A sombra-vácuo, o cinza que engole e submete a cor. Triste contraste entre as formas lineares definidas na parede e as formas empoeiradas difusas no chão.
Tal é a impressão.
Cinza invade estas vidas: cinza de fome, cinza de sentimento, de esmola e cigarro. Cinza de fumaça, de palavra e gesto.
A figura murcha no chão confunde-se com o cobertor, com os papéis e papelões, lixo e restos - tudo cinza e marrom, tudo branco e preto.




Até que, por fim, funde-se ao concreto e some na cidade cega.

Sem dor.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Tarde Branca

As palavras corriam, sem que ela entendesse
Seus olhos pulavam pela folha partida
Distraída.

A mente funcionva com pouca eficácia
A respiração arfava-lhe o peito sombrio
Vazio.

O riso rascunhava-se em seu lábio
Mas uma lágrima desbotou-lhe a vista
Despedida.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Poesia Neoliberal (comunidade)

To aqui vendo a novela
Tevê ligada no plim plim
Vou fazer um brigadeiro
TPM é sempre assim

Vou à esquina comprar um pão
Vou de carro, de ônibus não!
Tem um mendigo caído bêbado
Ai que nojo, pediu meu dinheiro!

Vou embora indignada
Essa gente é muito mal-educada
Vou lá pro Iguatemi
Ali eu compro e posso rir

Bolsa, roupa, cada jóia mais bonita!
Ai, que coisa, isso é que é vida!

No Audi que tá de olho o pivete
Eu escuto Chiclete, Babado e Ivete
Sou herdeira, não preciso trabalhar
A faculdade é só pra me ocupar

To me formando em Adm
To escutando CPM
Mexer com dinheiro, isso é legal
Intelectual é uma coisa sacal

Volto pra casa feliz da vida
Sacolas na mão, blusa de oncinha
Briguei com meu pai, vê que absurdo
Quer cortar meu cartão, que velho imundo!


15/01/07

Desmaio

Pensamentos no Trem III

Após poucos segundos de espera, surgem as luzes no túnel do metrô. A massa humana se aglomera para entrar no vagão.
Sinto minhas mãos trêmulas, os lábios secos. Sinto-me vulnerável, acossada, tal qual um animal sendo caçado. O metrô é a cicatriz máxima da cidade: frio, impessoal, todo concreto, sujo, desgastante, solidão. Arrasta-se arranhando as paredes das entranhas de aço.
Sigo minha marcha de estação em estação, pisando forte, os olhos vermelhos (poluição? desespero? talvez os dois). Caras passam por mim sem que eu me dê conta; bocas, braços, pés, mochilas. O céu lá fora é branco e é pior do que se fosse cinza.

A cidade grita, a cidade me engole, e o metrô abafa com seu barulho agudo a música nos fones de ouvido. Eu finjo que a sinfonia me acalma.
Aflição crescente brota no meu estômago em forma de ânsia. Sento-me na calçada, fora da estação, a mágoa que sinto das máquinas se esvai em sangue e concreto num espasmo de músculos.



A cidade berra, a cidade me engole, mas eu já não sinto mais.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Espera

É uma dor silenciosa: não provoca choro, não desespera, mas mutila pouco a pouco. É uma dor que inspira, descontrola e enlouquece. É o grito rouco e sem força que contrai a alma, é o olhar profundo deitado no horizonte, tentando enxergar além.

É o sentimento que ignora a distância e o medo, o coração que sente o calor da mão que se estende do outro lado do oceano, o pensamento que conhece um só nome, um só rosto, rosto que não pôde nunca contemplar.

É meu braço se estentendo e se alargando, atravessando terra e mar, até te envolver por inteiro: mente, alma e coração.

05/12/06

Cemitério das Árvores

Galho, terra retorcida
Silêncio complacente
A vida pára, interrompida
Cai a lágrima inutilmente

Respeito frente à morte
Das raízes
Da floresta

Da madeira resta apenas
O labirinto, decomposição
Serve agora moradia
Da aranha, verme, escorpião

Lápide indigente, escultura sombria
No cemitério das árvores
Desolação.

16/04/07



*falta a parte que o rafinha fez

Desordem

*treininho de palavras



A labareda laiva o labirinto langanho
Lápide do leito lacrimoso
Legítimo líder do lirismo limítrofe
Liturgia lívida do litígio
Longilínea lombriga loquaz
Loucura lutulenta e luminescente

Fremor frenético da forquilha
Forrobodó fleumático de flores
Fluindo
Ferroando
Fervedouro das focas falantes
Filáucica filarmônica

Metropolitanos metais mirrados
Marmóreo marulho mascando minha maxila

Minta
Mente

Monto
Monte

Manto
Pranto.

25/04/07


*é aconselhável o uso de um dicionário para entendê-la (já que eu usei um pra fazê-la hahahaha)
Nova modalidade de poesia: poesia de dicionário, inaugurada pela Mari.

Ode ao Uno Velho

A mancha verde no horizonte
Surge, barulhenta
Ruído roncando
Esforço sobre-humano
Batalha contra o solo pedregoso

Com tal bravura se mostra
Balança, torce, encosta
Estalos e batuques
No caminho tortuoso
Buscando as alturas
É o Uninho que nos segura

Seus bravios pneus
Sua lata viril
Tudo nele, ó amigos meus
Traduz a vida
De força
De luta
De amizade para com os seus

Até que um dia
No asfalto hostil
Torne-se apenas
Metal, borracha, vazio.

15/04/07




*ah, para quem não entendeu: poeminha sarcástico sobre um dia que fizemos trilha com o Uno.

Depoimento do Japa Anônimo

Estudo sempre o diainteiro
Desde a quinta série eu sou o nerdão
Papai elogia, me dá dinheiro
"Você vai ser médico, garotão"

Agora estou no terceiro
Colegial acabando, merrmão
No fim do ano eu sou o primeiro
Na Medicina Pinheiros eu sou o fodão

Vou me inscrever na faculdade
Galera me pinta, me zoa, me bate
Quero beber, mas sou menor de idade
Respeito a lei, nunca tomei nem um cálice

Na festa, todo, mundo se pegando de montão
Sou virgem, não sei dessas coisas, não
Volto pra casa, ligo o computador
Vou assistir a um vídeo pornô

Semana segiunte, viro malandro
Todas as cervejas eu tô entornando
A gatinha peituda já tá na minha
Já até cheirei uma carreirinha

Anos depois, só me fodi
Clínica de reabilitação e nostalgia
Mamãe chorando o futuro que perdi
A notícia derradeira: viciado em cocaína.

Soneto do Amor Romântico

17/04/07

Ver você assim tão boa
O dia inteiro tão fogosa
Me faz pensar que sim
Que queres vir comigo, enfim

Essa bunda tão formosa
Você sempre carinhosa
Nã sei se agüento assim
Quando você vai dar pra mim?

Você vem e me provoca
Com seu jeito carioca
E eu sempre só na punheta

Hoje vou mostrar minha'oca
Vou insistir, fazer careta
Te colocar de quatro, te deixar perneta






*pra descontrair hehehe
Poesia encomendada durante a aula. "faz uma poesia de sacanagem?"

ok, cá está.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

Uma voz

02/05/2006


Aquela voz calma e baixa, atrai a boca que se aproxima e se afasta, como querendo esbarrar, relutante, na outra, do outro... Mãos que se entrelaçam, querendo fundir-se, e depois disfarçam. O corpo trai o sentimento, se distancia e transparece uma aura santa, um romance infantil.
Olhos que não se fitam, por medo de ligar-se, para não mais soltar; alternam-se, cautelosos, temendo se encontrar.
Mente, Pensamento;
Pensamento mente.
Sentimento que não sabe se explicar.

O Meu Mundo

Estava lendo um livro, quando fui atingida por uma luz melancólica e difusa no canto dos olhos. Virei-me, atraída, quando vi uma oficina e vários homens trabalhando com uma grande lâmpada amarela no alto. Como estava no ônibus, a cena se passou rapidamente, fugiu aos olhos, mas não à mente. Ainda atingida pela impressão que a oficina havia deixado em mim, olhei para o lado, pela janela mais próxima, e notei que ficara extremamente sensível às cores que saltavam e dançavam à frente dos meus olhos.
Era uma sensação inédita. Qualquer lugar onde eu pousava os olhos era na cor mais forte que eu reparava; ao mesmo tempo reparava nos menores detalhes, detalhes estes que nunca haviam notado (mesmo tendo passado incontáveis vezes pelo mesmo lugar).
Naquele momento eu pertencia ao mundo e se mostrava para mim, quase se apresentando. Era a pura arte vivida, vívida, arte unificada, todas suas manifestações acontecendo ao mesmo tempo dentro de mim: o quadro pintado com pinceladas duras e frias que formava a paisagem de concreto, a música destoante e descompassada que pulsava na rua, a fotografia que saturava as cores e capturava detalhes arredios de muros e janelas, o teatro encenado pelos transeuntes e cachorros e balconistas e faxineiros...
Subitamente, não me atraía mais pelas cores lindas e vivas ao meu redor, tudo era escuro durante o pálido pôr-do-sol. A avenida ficou cinza, preta, marrom; contornos fracos e disformes dominavam a cena. O rosto fundo de uma mulher com olhar perdido.
O prédio manchado e sua tinta descascada.
O jardim abandonado verde-escuro e suas flores sem cor.

Só o que via era uma cena lenta e sem alma...
O belo e o feio contrapondo-se, os dois lados da vida da cidade. Tudo o que eu via misturava-se: o que era belo tornou-se feio, o que era feio tornou-se belo.
Aquela oficina iluminada despertou-me para o mundo pulsante ao qual eu pertencia. E o mundo passou a pertencer a mim.

Paulistana

Fachos de luz azul pela madrugada
Tudo se mistura no horizonte pálido
O céu cinza que reluta em nascer

Não há luz, não há estrela
Cigarros acesos na multidão em estado de parto
As ruas cruzadas, enroscadas, dão à luz um novo dia
Igual a todos os outros

Dormem.
Muitos ainda dormem
São figurantes da cidade calada
Personagens das espigas de concreto do horizonte entrecortado
Geométrico.

Venha, me siga
Suba comigo na torre de vento
Aqui faz frio, mas o Sol já nos alcança
Sente teus sentidos
A lágrima fria que reluta em sair de ti
Repara na tua vida que se esvai em cada respiro
Em cada copo
Em cada passo
Vês que tua mão já não tem força
É de gelo, de sangue, de morte
No espelho não reconheces tua face
Tua alma parece abandonar teu rosto estático

Refugia-te onde o aço, o caos e a lâmina não te alcançam
Sente a brisa úmida que lhe lambe os cabelos


Aborta teu dia que nasce
da obediência
e da dor.

Pensamentos no trem II

Mais um dia sendo espectador deste espetáculo desajeitado que o trem nos proporciona. O trem é onde todos nós ficamos nos olhando, como se olhássemos um espelho torto que nos mostra uma imagem distorcida. Todos são eu, ali, naquela hora. E todos os rostos são igualmente desinteressantes e entediados. Uma sala de espera.
Todos têm as pernas igualmente cansadas e as mãos sujas. O trem é um espetáculo que causa atordoamento.

Pensamentos no trem I

Sujo, sim, sujo é como me sentia.
Eu, naquela estação tão movimentada e quente, criança chata do meu lado, falando alto, como são irritantes as crianças. Olho nos olhos dela, ela faz uma cara de antipática e aponta pra mim, a mãe a repreende: "Filha, é feio apontar!"
Irritado. Estava irritado.
Chega o trem. Maravilha, cheguei no horário! No horário certo de pegar um trem lotado, não tenho onde colocar as mãos. Tudo bem, quando eu era criança competia com meus irmãos no ônibus quem conseguia ficar de pé sem se segurar. Melhor ainda, não ter que segurar naqueles ferros pegajosos! Tanta gente ao meu lado e eu me sentia completamente solitário. Queria berrar, queria sair de mim, me refugiar, cadê meu cigarro?
Tateei o bolso. Tudo sob controle.
Uma velha dormia de boca aberta. Esta deve ser uma das cenas mais pavorosas com as quais nos deparamos no decorrer do dia. Sempre me esforço para não dormir em trens para não correr este risco. O trem pára, chegamos à última estação da linha, o que quer dizer que todos que se encontravam no vagão lotado saem ao mesmo tempo. Me sinto fazendo parte de uma boiada, ou qualquer coisa alienada e obediente. Todos obedecem às placas da plataforma indicando o caminho, todos se acotovelam para subir uma escada larga. Parece uma substância pegajosa escorrendo por um ralo lentamente, todas aquelas pessoas sem expressão seguindo cegamente para cima, para a saída, para a outra linha, para a rua.
Ajeito minha mochila que estava incomodando nas minhas costas. Saio da estação. A cidade berra em volta de mim.