Estava lendo um livro, quando fui atingida por uma luz melancólica e difusa no canto dos olhos. Virei-me, atraída, quando vi uma oficina e vários homens trabalhando com uma grande lâmpada amarela no alto. Como estava no ônibus, a cena se passou rapidamente, fugiu aos olhos, mas não à mente. Ainda atingida pela impressão que a oficina havia deixado em mim, olhei para o lado, pela janela mais próxima, e notei que ficara extremamente sensível às cores que saltavam e dançavam à frente dos meus olhos.
Era uma sensação inédita. Qualquer lugar onde eu pousava os olhos era na cor mais forte que eu reparava; ao mesmo tempo reparava nos menores detalhes, detalhes estes que nunca haviam notado (mesmo tendo passado incontáveis vezes pelo mesmo lugar).
Naquele momento eu pertencia ao mundo e se mostrava para mim, quase se apresentando. Era a pura arte vivida, vívida, arte unificada, todas suas manifestações acontecendo ao mesmo tempo dentro de mim: o quadro pintado com pinceladas duras e frias que formava a paisagem de concreto, a música destoante e descompassada que pulsava na rua, a fotografia que saturava as cores e capturava detalhes arredios de muros e janelas, o teatro encenado pelos transeuntes e cachorros e balconistas e faxineiros...
Subitamente, não me atraía mais pelas cores lindas e vivas ao meu redor, tudo era escuro durante o pálido pôr-do-sol. A avenida ficou cinza, preta, marrom; contornos fracos e disformes dominavam a cena. O rosto fundo de uma mulher com olhar perdido.
O prédio manchado e sua tinta descascada.
O jardim abandonado verde-escuro e suas flores sem cor.
Só o que via era uma cena lenta e sem alma...
O belo e o feio contrapondo-se, os dois lados da vida da cidade. Tudo o que eu via misturava-se: o que era belo tornou-se feio, o que era feio tornou-se belo.
Aquela oficina iluminada despertou-me para o mundo pulsante ao qual eu pertencia. E o mundo passou a pertencer a mim.
quinta-feira, 5 de abril de 2007
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