Looking through a Glass Onion

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When I get to the bottom I go back to the top of the slide, where I stop, and I turn, and I go for a ride

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ma Fleur

Transe insensato de sensações
Trânsito incessante de fatos
Inconsciente.

Transe induzido, alucinações acinzentadas, não adianta tentar colorir
Poderia desenhar, não fossem minhas mãos engessadas por uma vontade de não estar, de estar de outra forma, talvez estar numa outra hora.

Impasse de tempo: entre o tempo que existe e o tempo que eu gostaria que existisse, existe um espaço amplo, e nem bem consigo enxergar onde se encontram... talvez ali à frente, ali, numa curvinha que não está tão longe assim.

O transe se mantém, alimentado pela música que soa diferente, de uma forma que meus ouvidos não estão habituados. Mas também não presto tanta atenção assim, essa é a verdade.. Por isso, o transe.

E é inevitável voltar ao pensamento corriqueiro, pensamento de semanas, de vontades, de saudade da presença que nem chegou a se fazer completa. A presença imaginada, desejada. A presença real foi bloqueada. Meu corpo a bloqueou. Por quê? Por que a fala se fez tão difícil, tão quebrada, por que os olhares perderam o sentido que há pouco nos dizia tudo o que era necessário?

Não quero me despir para um público imaginário.
Pior do que estar nua diante da platéia, é estar nua diante de uma sala vazia de teatro. Eis uma cena triste. A nudez tão crua do corpo quase violenta o silêncio das cadeiras. A atriz descalça se move com suavidade pelo chão escuro do palco, o silêncio a observa. Sua nudez mostra mais que suas coxas, seus braços escancarados, o movimento dos cabelos. Sua nudez mostra sua alma inteira, exposta, sua falta de proteção mancha a pureza do centro do corpo. Exposição lenta. A nudez que se fez de repente, que apenas surgiu, se mostrando para o silêncio, envergonha a atriz.

Por que me envergonho? Por quem me envergonho? O corpo é belo, a luz realça as linhas do pé enquanto o corpo dança na ausência de som. Dança rodopiando tão triste, circulando a própria vida, é a própria imagem da solidão.

Súbito, existe um observador na platéia. A moça já não está despida para a sala vazia. Sua dança agora faz sentido. Sua dança agora tem alma, tem razão de ser. Alguém está observando os contornos dos músculos que são tão delicados quanto a alma que se deixou manchar no silêncio do teatro. Já não é mais a marca da solidão, e sim o símbolo de uma união distante, imperceptível, de uma simbiose muito delicada: o espectador se alimenta de sua imagem brilhante, respira seus movimentos, sente-se parte de sua dança. A atriz agradece por poder doar-se tão completamente a um estranho, profundamente emocionada ao ver que movimenta o mundo daquele homem sentado na única cadeira ocupada, feliz, porque a solidão não faz mais sentido entre o silêncio dos dois naquela sala tão grande.

Acaba o espetáculo, e a melancolia cai mais triste do que nunca. O homem já não é mais alimentado pela nudez fria da garota, ela já não é capaz de fazer o mundo do observador silencioso se movimentar.


Então vão-se os dois, conversam porque é preciso, mas a comunicação já não se faz com eficiência, e a solidão se instala novamente.



É preciso despir-se. É preciso estar só.

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