Looking through a Glass Onion

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When I get to the bottom I go back to the top of the slide, where I stop, and I turn, and I go for a ride

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Lápide Urbana II

Na passagem estreita e colorida, vi brilhando água corrente, uma mulher não tão colorida derramava o líquido no chão para lavar alguma coisa. Aquelas vidas pouco notadas, cinzentas, enchiam-se de cor ao Sol limpo e claro do meio-dia.
Me enchi de afetos por aqueles rostos marcados das cicatrizes que o desprezo e a indiferença causaram. Me enchi de simpatia pelo sorriso branco e espontâneo que brotava do menino solto a gingar e andar naquele cantinho: ali era seu mundo.
Ao tentar me aproximar, bati numa parede invisível. Uma divisória fria e dura que a cidade impôs. As pessoas continuaram andando, correndo em suas rotinas ridículas, mas não vi ninguém tentar cruzar a linha - ninguém! Só eu, tola, me iludia pensando que um olhar, um gesto, poderiam desfazer aquela muralha medonha à minha frente.
Em vão acenava para os "do cantinho". Um velho chegou-se até a fronteira, sem tentar cruzá-la, cantando.
"Ouça-me bem, amor, preste atenção, o mundo é um moinho..."
Eu tentava chamá-lo para o meu lado.
"...vai triturar teus sonhos tão mesquinhos..."
Outro se aproximou.
"...vai reduzir as ilusões a pó..."
Parei de chamá-los freneticamente. Percebi que eles haviam aprendido, depois de muito insistir, de muito se frustrar, que aquela divisória (apesar de invisível) era mais sólida que pedra. O velho olhava meus olhos, e eu os dele.
"De cada amor tu herdarás só o cinismo..."
Mas que olhos tristes! A boca sorria ao cantar, seus gestos eram largos e leves, mas que olhos fundos...
O outro estacou, de repente. Sem olhar diretamente os meus olhos, disse triste e secamente:
- A gente tá do outro lado...
E virou-se sorrindo fraco para os outros, continuou o que estava fazendo. Mas eu vi, eu vi! o que ninguém mais viu: todos eles eram lindos, eram lindos, e aquela voz que cantava foi a mais sincera que já ouvi.
Despedi-me deles com um aceno e o menino que gingava soltou aquele mesmo sorriso branco; ainda assim vi uma lágrima tão sincera e terrível quanto a muralha que nos segregava.




*a música citada é "O mundo é um moinho - Cartola"

3 comentários:

Paula Cristina disse...

Caetano diria:

"Uma rosa morreu, uma festa festa acabou,nosso barco partiu, eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela, e só Carolina não viu... Eu bem que mostrei a ela..."


ou então diria...

"Gosto de te ver leaozinho..."

tudo depende, do ponto de vista.

ahahahahah

amo amo amo amo.

Anônimo disse...

texto bem legal BB.

Uma dica: não dê créditos. as idéias estão por aí, e elas são de todos. O plágio é necessário. O crédito tira o charme.

Anônimo disse...

Eu havia gostado da versão um, mas essa a superou é o melhor texto do blog. Acho que vc deixou a crônica mais fluida, algumas outras eram muito travadas. Tá cada dia melhor.